quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Cia Fumaça

Filha do roubo
chama
pela manhã,contra o rítmo frenético
sai da caneca
e lhe faz companhia
em movimento
de harmonia



nas ruas
de escapamentos
e chaminés
acompanha
o desejo de seus pés
- e escapa-


no almoço,quase imperceptível
adorna o salgado
recheado
-que do alimento
só traz um esboço-


ao final do dia
compartilha os primeiros versos
na janela suja, que segue
de poste
em poste


na quinta estação
descortina seus olhos de cobra
em lágrimas apimentadas
sobre o sal do trabalho



e no eco noturno
do quarto
do cinzeiro
serpenteia-lhe
um poema
de tudo que não foi
seu dia

domingo, 25 de novembro de 2007

A Cigarra e a Cigarra

Voava
com os pássaros
no Canto Geral
de uma noite



passou pela janela
o vento
e à porta
tan tan
tan tan





o que não havia percebido
é que perseguia
insistentemente em quinta
por algo

fuuuuuuuuuul
tan tan






ao abrir a porta uma pequena cigarra noturna
como que saída das páginas de La Fontaine
em meu pijama
em abraço de criança



em silêncio
pediu-me acalento




Não se preocupe
não sou formiga
vamos juntos
ler cantos
da cigarra chilena



adormeceu em meu peito
enquanto voavamos
ao som do vento



à porta
novamente
plan plan planplan





O que seria
no tapete da porta
uma grande cigarra
também pedia
pousada


em mãos dava seu som estridente


voltamos os três para o canto
seguia a grande
da mão
ao braço
do braço
ao peito
num som autoritário
expulsou
a pequenina






O que você fez
Terá que lidar com o vento
use o tapete




coloquei os olhinhos assustados mais
uma vez
para dormir
sem me dizer
se fugia do vento uivante
ou da grande estridente



Não se preocupe
durma
meu canto
também é
pequeno

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Passarinho

Tudo é vôo
em nossa terra:

gotas
de chuva

plumas.

doce carpintaria
de outonos

K néca

_ Há sim, uma viagem clandestina à lugar nenhum, dentro do vazio da caneca. Viagem que precede a viagem. Como antes de deslocar e caminhar com a caneta no infinito do branco. Como a possibilidade de deslizar-se na vida de um ponto quente a outro continente. Lá a neve cobre a folha . É como o presente de natal prestes a chegar. Tudo bem que o Natal não chegou, só o presente. E Natal é coisa de espera, ou era, talves agora só seja coisa de cartão. De credito. Entende? Nem eu. Partirei no final de dezembro. As malas preparam-se em suaves dobras. As amizades e as canecas. As canecas têm algo de angelical, acolhedora e forte. Caneca é coisa de intimidade. E quando chegar à Europa estarei sem minha legião, estaremos no auge do inverno. Que bom. Se a real utilidade da caneca está em seu vazio, minha cabeça está no caminho. Essa viagem clandestina de alegria que já me leva em tempo real onde eu tenho que estar. Aprendendaprender. A viagem já começou. Quer chá?

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Cidade que te resta

Formigas enumeradas trafegam
entre pedras
em rumos que só se cruzam
nas bifurcações itinerários
traçadas por um arquiteto



Quando o dia bate seu cartão
- os anúncios luminosos -
já o rende em pico de produção



em passos cimentados pela realidade lógica
do prato
da morte da rainha
do ciborgue
da farinha
os cafés são o que resta da poesia
pois não podem ler
as folhas
sobre o ombro

A saga de um menino

Não me lembro ao certo quem a trouxe
mas era pequenina
esperta
branca de manchas pretas
minha Lili




Lili Bonifácio brincava comigo
na indisposição de meus irmãos




meu pai criador de passarinhos
espalhava as gaiolas por todos os lados

curió
canário da terra

picharro

sabiá-laranjeira


pássaro preto

periquitos



o canário do reino estava na varanda
eu
morcego
Lili
prodígio

em nossa luta contra o mal


peguei-as nos braços
e a joguei para o alto


com suas unhas afiadas
agarrou-se na gaiola
acho que nem gostava de passarinhos
nunca provara
nunca saberei




caíram
ela e a gaiola
o passarinho quebrou a perna




vivíamos em regime patriarcal
tudo era resolvido após as seis




o dia durou cem anos em escuridão
o som das botas
estremeciam
da calçada
a porta
toc


toc


toc





os três para a sala
quem derrubou a gaiola


se não falarem será pior



não podia deixar meus dois irmãos
serem castigados por um crime
que não cometeram
nem sabiam



vamos digam alguma coisa
pai
eu estava brin-can-do
com a Lili

e
ela pulou



onde ela está
é a última vez que você a está vendo



estou livre
mas em minha saga
talvez eu seja coringa

O riso partiu-se

Sentado na calçada de chapéu na mão
e olhos no chão
espera pelo riso que há tempos partiu

não se sabe porque, talvez por crescer
e deixar entender
que de início podia estar escondido
no encontro da barba e o bigode



Podia estar tentando voar com a gravata borboleta
ou em busca de sossego mudou-se

para a casa do botão
fechando-se para as batidas

os dedos na cabeça despenteada
deduzem se não havia escorregado
pelas calças largas – seguras por um barbante –
e entre um calo e um dedo no trabalhoso sapato
se enforcado



não há meias
e no couro sem graxa
há um furo
de onde se pode ver o mundo

Olhares oprimidos

Onde vocês vivem
pergunta o professor aos alunos do EJA

Usem as lentes
e quando voltam, trazem nos rostos a expressão de suas
casas




Sebastiana flagrara fios de sapê – seu trabalho
seu lar –


ripas
tijolos
barro
cacos


casa aos olhos trincados
clicados






a fome era larga
João trouxe o rio sujo
onde gaivotas comiam o lixo
onde João caçava as gaivotas







Antonio trouxe a foto de um menino
Você se enganou Antonio
perguntei onde você vive


Eu entendi
Então por que o menino
João é meu vizinho
o rio tem muitos ratos
e eles mordem
os cachorros nos protegiam
mas a sarna os entregou à carrocinha
minha mulher e eu trabalhamos

o dia todo

os meninos estavam dormindo
eles vieram

e comeram um pedaço do nariz


na foto não há palavras só um rosto assustado
lágrimas
sangue
dor
lar

Sonho de vida

Para matar a fome
vende-se a vida


para viver um sonho
não se come
dorme


esquece seu nome
não precisa
perdeu-se nas cinzas
da ponta de cigarro


a cada cidade
é novo indigente
por vezes contente
por não ser mais gente
que sonha
que dorme
que come

se ainda há vida
só resta esperar que se acabe
na escuridão
escondida à beira dos dias
um pouco
em cada saco de lixo

O peixe

Fechado em uma redoma aguarda
em silêncio

não se sabe o que, apenas
nada



no vermelho o contorno
do pequeno samurai
ágil
frágil

nada dor de águas turvas



seus leques
dançam ao som da TV
no que lhe resta de rio

anjo molhado
galo de estar
desarmado
coroado



troféu beta a combinar com o sofá
solitário por natureza
força necessária
na redoma econômica
onde não há oxigênio para a liberdade

Última palavra

Terminado o poema
As letras repousam
Sobre o papel
Após a longa caminhada
No deserto branco
sem miragem
sem margem



mas uma delas
talvez a última do comboio
gira
enlouquecida por toda a folha
pernilongo atordoado



desrespeitando a sintaxe
tentando alçar vôo
e partir
ou encontrando por si
a forma que lhe convém

Espera

A espera
conforta
até o reencontro
com os que partiram




a mãe pássaro
parte
durante horas
e retorna
com o alimento dos filhos




o pai operário
parte
todos os dias
e retorna
segurança noturna no lar




o irmão
parte
jornada prometéica
não volta
durante anos




ao seu retorno
seu cão
e todos
o reconhecem
abraçam
festejam



dá-se um nó
no laço que se tinha
pai
mãe
irmão
todos
parte
do cordão

Espera ll

Os olhos de areia
insistem em se fechar
diante da noite
que se ilumina
em anúncios



solidão
que me acompanha
na xícara vazia
da espera



dos minutos
que se queimam
nos ponteiros
dos últimos cigarros



páginas
de justificativas
se desdobram
em meus pensamentos
trânsito
assalto
bateria
amigos
bebida
amnésia
mulheres



não importa
pela manhã
anuncio a visita
da cegonha

São as árvores

São as árvores da mata atlântica
das ruas praças parques
antigos sábios

que se cansaram de falar aos tolos
e recolheram-se em silêncio
ao repouso
falando apenas sussurradamente
aos ventos
mensageiros do saber e da quietude
em movimento

que levam secretamente
só àqueles

que cortaram a interrogação de suas
orelhas

e aprenderam a ouvir com os olhos
da terra

mas até entre as folhas
a sabedoria e a diversidade
luta contra

o império massificador
da era do eucalipto

Lupus

Não é a noite que temo
solidão que me norteia

mas o lobo que habita em mim
e man-sa-men-te
devora meus rins


creatinina a afogar os ossos
neste mar sem sal

rogo a lua cheia
que mude esta maré

em seu rosto até vejo um sorriso
mas o que tem ela a ver com isso

se não há uivo
como pode saber
do que realmente preciso

peço à noite mais um dia
e que neste leito
não seja lupus
a minha agonia

Barqueiro marginal

Sou barqueiro marginal
entre o véu
o mel
a calçada
e o metal


navegante de águas fundas
tateando as alturas
de pés em pedras


em busca de um novo céu
sem reservas
sem ingressos
chave
aluguel

A folha azul

No alto das árvores
azul
impressões de encantamento


tal tinta secara
perdera-se

não para um vazio



ainda pode ser vista
onde foram compostas
fricativas
bilabiais
consoantes espalmadas ao ar



de mãos dadas ao vento
sob
como
se
sobre


a folha azul
em que se escreve
todos os tempos
página
que não pode ser arrancada

A era antiga

A era antiga a escuridão se preza
e mesmo fazendo-se de luz
não clama

no presente sucede a beleza
o brilho bastardo que da história
emana


as folhas do tempo o nutre em atributo
e o grotesco se faz belo

anônimo
sem reduto

pelos quatro cantos do mundo
cantam os homens de pedra
à pátria
estáticos sob os cílios de corvo

o disfarçar-se compensa o desdém
mas o negro véu revela
na sombra
os óculos do presente

Sangue de um poeta

do botão da rosa
seus espinhos
estendi meus braços


o sangue lhe deu a cor
seu brilho me deu um
dois
três olhos


que vêem o mundo
e se confundem
entre a carne
terra
perfume


nas mãos o pólen
- verbo -
esperando por falar


a rosa
cresce
abre-se
seca
pétala que se deita
ao novo
ainda sem espinhos

Pensamento passageiro

Entre a janela e a retina
alguns
pensamentos
são
como
-pinturas impressionistas-
das coisas



a estes convêm o nome de idéias
e no momento em que se representam
em pedra e ferro
um homem
árvore
nuvem
poste
um ano
mesmo Deus
outras além



formam um muro em movimento sobre os trilhos turvos
querer temer afirmar negar querer temer afirmar negar
então



concebe-se com a práxis de um olhar pensante
e da inércia que se esgota no assento duro
um gênero de juízos
que no final
desembarcam
e dispersam-se no tumulto entre a multidão

A flor e a árvore

Uma roseira
e a macieira
unidas pelo mesmo jardim
bebem da mesma chuva
dançam
ao mesmo vento
mesmo sol


uma
cores da vida
outra
sombra da serenidade


na terra suas raízes

distantes
não se entrelaçam

Dedos da chuva

Os dedos da chuva
desenterram
da minha cabeça
as sementes do amanhã

pus
abrem caminho
à esperança
que não é dada

Sucesso

O homem de sucesso
não está no escritório
em que se tornou


está no fluxo
de seus passos
na calçada
que lhe nutre as alturas

Solidão

Diante da solidão
o homem
frágil
faz-se sólido
amparado
pelo eremita
que traz a luz
da solidariedade

Irmão Tempo

A distância oceânica
tecnológica
financeira



não separa
o que se construiu
em lutos
e festas
em vinte e sete

carrinho
bola
brigas
bicicleta
herói
bebidas
namoros
presentes
perdas
casamento

partida
lágrimas


vida compartilhada
que se fez
e se faz
entre o novo
e o velho
mundo




entre os meninos
de ontem
e os homens
de hoje

Poética

O poeta
não é
o que informa
não é
porta voz do saber
realidade objetiva
coletiva


nem de si mesmo
apenas cria condições
para que se processe
o trabalho específico
arte


a poesia mais que representar a existência
a é em ação
ela própria o ser


não pode ser controlada
mumificada


serva de idéias feitas
nem o poeta
sabe a cor de seus olhos
antes de desprendê-la do limbo

Vôo do ganso selvagem

O ganso selvagem
emerge das profundezas
em direção a margem


a influência interior
no vento
gerado pelo fogo

asas de prata
no conciliar
- do olhar
ao vôo -


a influência
- harmonia -
entre a chama e o vento

Samuel no Reino do Sol

Após uma pequena temporada
em nossos dias

voltastes para teu reino
sol


as lagrimas ficaram
sem saber para onde
mesmo agora


tua amizade
luz
alegria
serenidade
saudade


e quando novamente nos encontrarmos
em olhos de risos
como nos sonhos
nos acolherá com teus longos braços
e no tapete da sala
selaremos
a aliança dos bombons


de toda festa
palhaçadas
passadas
guarda o coração
o calor
e a garganta
o nó


da amizade plantada
girassol
renasce
brilha
a cada dia nas sementes
que ficaram

A cena de rua

As gotas de sangue
na calçada
a violência
do impacto

sapato

entre aço
osso
moça




os dedos vermelhos
seguram as mãos do taxista
em pânico



chapéu
na cabeça
coração
na boca




olhos curiosos
formam um colar
em torno do sacrifício




o menino do picolé
uni-se ao coro
em pé
ao lado
do gerente do café




o passageiro
de malas na mão
recolhe
os óculos que
brados
do chão




as sirenes
abrem caminho para o alívio
que não chega




o grito do taxista
os olhos
o silêncio
a bandeirada

cobrem o rosto
de anjo
na rua

Olhos de menina

Não há lugar
melhor
que o nosso lar


ouvidos surdos
olhos cegos
bocas mudas
mãos
que batem

mostram o caminho
rua




na calçada
acalento materno
endurece
aquece
evapora
as lágrimas
petrificadas pela dor





anônimos passam
noite
dia
preenchem o retrato
da família




o caminho de casa
se perde
nas lembranças dos castigos




o preço da tarefa
não cumprida
embebido
nos goles
creatinos
toda urina do penico




da louça suja
colheradas frias
toda comida
estragada




no atraso do jantar
braços
punhos
couro
marcam o lembrete
no corpo




a casa
lar
no mundo
não hámelhor

Tijolo de coração

Consciência tranqüila
dor no coração


a história se repete
amor
sem solução

tão próximo perto
que chega
a se perder em mim

e tão longe
distante

que mal posso ver seu
fim

um muro matrimonial
racional

me separa de minha Tisbe
na boca
para beijá-la
lâminas d’alma

renuncio por lealdade
princípios
céus

pode nem ser verdade
mas confio ao acaso
não a minha
nossa felicidade

lição do passado
se faz presente

gira mundo
girassol
roda da fortuna
novo começo


pois agora
poeta
com a humanidade
casado

com o universo
enamorado

se a felicidade
será no fim
finalmente fundarei
o reino

que a muito habita em mim

Ser

Não há forma
em ser
apenas em potencial
a busca
pela transformação
libertaria
deste estado gasosoem que vivemos

Araucária

Arvorada de mãos estendidas
Plenitude germinal
Oscilante

entre sol
e sombra

existência dividida
entre o divino
e o vegetal

O palhaço e o poeta

Dançam pelos mundos
moribundos
olhos abertos ao fundo
e corpos ligados a tudo
no plano do existivel
buscam ao impossível
estado que lhes cabe
pois do sorriso o poema sabe
e da poesia
o riso se faz
seguir os dois
ao som de um violino
tente se for capaz



Jardim dos ares



Pela manhã

flores voadoras



dançam

ar
pelo




colorindo o arco-íris
sobre
as da terra
que não sabem dançar

Um quarto de cordão

Mãos negras
habilidosas
tecem em voltas
precisas
os segundos
minutos
horas
dias
meses
anos
em caminhos
de mesa

que conduzem
não o criador
criado
mas no caminho
vê-se curado


braços firmes
óculos seguros
por um sorriso
dos olhos trágicos
penetrados

na linha
que trama
o barbante
que tece
o caminho
que alimenta
o quarto
de portas contrárias
por onde entra
todos os dias
do ano
a enfermeira
com a cadeira

para levar Sr Antônio
ao banho

Virada à mesa

Minutos antes do fim de 2005
instalados em p. em Emaús
três homens
mais um
aos olhos
-emprestados-
de Caravaggio
sentaram-se para comer
sob a técnica do escorço


o quarto homem
abençoa a comida
frutas frescas
vinho
pães

com leve movimento das mãos
perfuradas
o olhar em velas
diz o indizível
o espanto
contagia os outros
espanto
entusiasmado
moleque de natal
antes do fim
percebo

não comem
não dormem
pré-ceiam eternamente
- em silêncio –

o pão
que se come
as doze
do novo

tim tim

A bolha

Feita de um material
estético
sintético
capital

nos envolve além de nossos olhos
pernas
bolsos

os que vivem no centro
desconhecem sua existência
consumidora

vidas embaladas
compra
venda
troca

pedras de um tabuleiro
em eterno jogo
sem vencedores
há porém, os que sabem de sua existência
mas estão entre
centro
e margem

tentando um equilíbrio
na balança embriagada
do consumo
da doação

ajustados ao sistema
seu único problema
o travesseiro
e não muito diferente
dos primeiros
- os que podem toca-la -
esticam
observam
vamos arrebenta-la
indestrutível



ah ah ah
é permitido que a toque
estique
reflita

pois sua elasticidade globalizada
joga no fim
o individuo
novamente ao seu lugar
marginalizadamente ferid
o

livre como um peixe-boi
em saco plástico
elástico


todos
habitantes
condenados a viver
da grama
do capitalismo

Ano Novo

Elementos celestes essenciais
entre a fumaça
intragável
expelida pelas narinas verticais

e o sangue turvo
em veias urbanizadas
que crescem desenfreadas
nesta terra em prata
mata
lata


sobrevoam
em plumas negras
o lixo
virtude terrestre
assegurando o estável
firmamento do assento de Deus
entre os elementos
que se consomem


governam as águas acima dos céus
e abaixo
o ar
elemento sutil
nos pulmões enfraquecidos
tubérculos de fé


o fogo
reluzente
centelha divina que aquece
a marmita

ardente asa do vento
que sopra
para continentes
ainda desconhecidos




a água
gota
gota

construtora de erosão
que no abrir da terra

inunda

gera o salvador

fonte de água viva
contaminada

pai que sopra a vida
e devora seus filhos
em lama

Desperta primavera

Ao sinal
caem
as folhas
decassílabos Homéricos
Américas
Luiz XV em XIX
fim dos passeios
devaneios
testa de meninos
equações



não é outono
a estação é gota
nota
perfume vermelho
dos olhos
abertos
da justiça



mulheres em véu
papel
pastel
seio da libertação
semeiam a estação



da fresta
luz
nas mãos
cruz
que nega
o neto
prega
o feto
a filha




quando crescer
quero a cabeça
sobre o pescoço
amizade
em morte
flores



estação ferida
aberta
aos pés
da grande árvore

Nós

em
nós
- cala -






acorda




no
pescoço
balança




















os
pés

Sabedoria plena





Agora
entendi tudo
rá rá rá






aqui jaz
João Papelão



- à 2006

Feliz Aniversário

Perdoa
amigo

se possível
- nem presente
nem presente
(talvez poema) –


oxidado
na corrente
o elo

neste dia
não reflete
um abraço



a pouco
conheço – te muito
as pausas
cantadas nos olhos



o embrulho
diário
de alumínio

trás


o pão
alimenta a
já fortalecida


onde você
homem

projeta – se
todo
amizade

Feliz todos os dias

Famílias neste dia
comem
oram
comemoram



filhos
maridos
neste dia
não deixam
de almoçar



fica
fácil
dizer

em abraço
presente



o que todos os dias
todas gostariam



tecedora de caminhos
bordo
não neste dia
todos
dias
fraternos
mãe

Olhos de revolução

Sentado
frente
a um grande portão
um mendigo lamenta
a morte
de seu cão



vitorioso
chega à entrada
do reino
o imperador
e seus soldados

pára
observa

indaga ao maltrapilho
- indesejável presença -
feito de milho

o homem pobre
não pobre homem

desafia
argumenta
contradiz
- mesmo aos olhos da morte -
o poder reluzente
ao sol
em pé
a sua frente


intrigado
irritado
perplexo
diante de tal coragem
bobagem
vista



o imperador
segue seu caminho
marcando duras notas


o mendigo
sentado
percebe
a noite que
se aproxima - pois a brisa é fresca -
e o menino
hoje
não lhe trará comida

festa
na cidade


sem cão
sem comida
sem sol

sentado
inabalável

Histrela

O céu sob a guarda da lua
ruiva
na
rra

em palavras


constelações bordadas
- do infinito de um cigarro -
os signos luminosos
presentes

em memória visual



hoje
história

Arame farpado

Na praça
central
império
falido




um homem
reciclado


agora

ferrugem
imóvel
coroado
- arame farpado -
convive
em paz









com
os pombos

Alimentar-se

Na primavera
coisas renascem
quietude


no começo
caem as sementes
na Terra

realização
nutrição

movimento e tranqüilidade


o homem cultiva-se
com palavras
que movem-se
do interior
para o exterior


come
bebe
exterior
interior

justa medida
caráter

Contemplação

Sopra
sobre
a terra
alcança
todos os recantos
observa a vida
de seu povo
homem
através da mera presença
orienta




tu
vento
és contemplado
pela grama

Anda chuva

toda poesia
lava

a cidade
em larvas
quando o homem – chama
chora
clama



desnudado
assola
a pedra pichenta



guiado pelo cão
- unha e chão -

segue
pêndulo
esquerda
direita
esquerda
poça




escapa
a asa
do guarda –
chuva



provoca



liberta

Rua Vida

Medo de morrer
nos pés resfriados


noite alta
recorte
na diurna discórdia
diária
diariamente assombrada
molhada
não pavimentada


pedregulhos silábicos
da gramática da morte


escrita
com caldo
da terra
vermelha

sulcos
entre pedras
que me levam

para casa
quarto
canto
quinto
asa

Gota

Quando as cortinas
do céu
se abrem
estendem – se
longos dedos
dourados

do calor
do olho
ao fecundo
útero

onde
a encontram
deitada sobre
mãos verdes
- acolhedora
de glóbulos –
que após
breve descanso
desliza
na velocidade
que lhe cabe
tornando – se
cada fibra
verde

- caminhos por
inclinação -

fica
fino
fio
brilha
com as fitas

no
fim
com o calor
recolhe – se
da queda
ao alto
de volta
as cortinas

Hoje luto

Do dia
hoje
amanhã

cristãos contra mouros



história de amor
inútil


não sou capaz de mulher
- há talvez –
alguma
capaz
de amar – me



tenho no peito
um hospital
de mortos
bem
mal
poeta



na casca da laranja
está o gosto
de hoje

pão
água
encosto matutino
acorda

a enterrada
assombrada
sólida solidão
feroz
onde não há eco
só um grito desvairado
voz
que emerge
do vazio
palpitante
- trágico relógio
marcador de atos -

onde os cantos
da melancolia
em prantos
expandem – se


grande
árvore
que dos frutos
alimento – me


e os que já amadureceram
desprendem – se

caem
adormecem
- silenciosamente -

monstros distantes
dos astros imortais
vegetais
animais
futuros
frutos
indigeríveis
luto
prazer

Galo

A crista
mole



às penas

dura



na ave
que vi

na xilogravura

Tempos modernos

Às 12
o apito
12 e 6
a praça
flores
1 banco
branco
1 jovem
1(a) jovem
2 marmitas
1 almoço
- todos os dias
arroz
feijão
calor


nas mãos
tempo partido


na partida
do operário

1
2
5
20
talvez
novo tempo


ás 12
apito
12 e 6
1 praça
novas flores
1 banco
mesmo banco
mesma espera


no caminho
concreto
1 mulher
2 marmitas
almoço
o horizonte
ao som dos automóveis
- todos os dias
do novo tempo –


o branco
cobre a cabeça
mas não o vermelho
dos lábios



ao lado
o espaço
é preenchido
1 homem
1 olhar
1 almoço



novo instante
fim do operário
novas flores
mesmo banco
que se mancha
no segundo
de um grito
vermelho
de Vanghog
- não das flores -


do novo velho
homem
ex operário
ex traficante
pintado
no discurso de um suspiro
entre as flores
várias cores
no banco de 1 praçaàs 12 e 45 milímetros